sábado, janeiro 22

LEC 9

Exercício da semana - 9

Redija vários textos com apenas uma a duas linhas onde deverá alinhar palavras por si escolhidas que ilustrem ou traduzam a ideia de:

a) O som do rio que corre.
A sensação de tempo perdido.

Atenção: não se trata de descrever o local onde “o rio corre”, ou onde tem lugar a “conversa tempestuosa”, ou ainda onde foi vivida a sensação de “tempo perdido”. Nem se trata de narrar o incidente no qual a “pessoa X” esperou por algo, nem o que estaria a acontecer no momento em que um determinado “olhar” foi “trocado na via pública”. Trata-se, sim, de traduzir esses estados de alma - que são da ordem da intimidade - por sequências de palavras, de tal modo que o leitor possa sentir uma empatia rítmica, ou rever esse mesmo estado de alma através das palavras utilizadas. 
Trata-se, por outras palavras, de um exercício poético. 
Sinta-se livre, deixe chegar ao seu rascunho dezenas de palavras e alinhe, depois, as que bem entender tendo em vista o ritmo e a ‘musicalidade’ ideais para cada caso (sinta-se o “som da água do rio”, sinta-se o pedaço de tempo “perdido” ou “esperado”; sinta-se o próprio “olhar” que se troca e… sinta-se como se fosse a “tentação” ou o “silêncio” subitamente vivido).

Redija, na segunda parte deste exercício, vários pequenos textos (com cerca de duas linhas no máximo) que traduzam uma ambiência similar à que esteve presente na imaginação de José Tolentino Mendonça, quando escreveu os seguintes versos (extraídos de vários poemas de Baldios, Assírio & Alvim, Lisboa, 1999):

c) “A obscuridade brilha para lá/ da própria enseada” (A Casa);
d) “Contra o coração/ abraçava ramos de flores magras e azuis/ sentimentos muito triviais/ e por vezes a maior escuridão” (Fogueiras e gelos);

Atenção: concentre-se na auto-referencialidade dos termos que vier a utilizar. Quando escolher as palavras, interiorize-as como termos realmente independentes e autónomos, como puras sonoridades à procura de um corpo desejado.
Liberte-se das significações dadas e atribuídas aos vocábulos no senso comum, no âmbito da convenção, ou no quotidiano. Utilize o seu léxico como se fosse um criativo de design, sendo que a sua cultura material, neste exercício, é o próprio material linguístico.
Não se esqueça de ser corrosivamente livre no seu jogo de rascunhos.
Escreva e reescreva sem temor, desinibidamente.
Repita-se: reescrever de modo poético é reinventar, apenas isso. A única fidelidade que não deverá esquecer é a do “ambiente”, a da “atmosfera” ou a da “intimidade” que o léxico utilizado pelo autor - neste caso, José Tolentino Mendonça - terá traduzido.

Trabalho

a) O som do rio que corre.
Saltitante sussurro cantante
Murmúrio da corrente, quase silêncio
Águas bramindo em fúria


b) A sensação de tempo perdido.
Relógio parado inerte
Sala vazia, silêncio sepulcral, vida inanimada
Tic … tac … tic … tac … tic … tac ...

c) “A obscuridade brilha para lá/ da própria enseada” (A Casa);
Escuridão pontuada pelo brilho da lua reflectida nas águas mansas da baía sossegada, ânforas perfeitas de claridade suave
Barcos que baloiçam na calma enseada, brisa brilhante que sopra contínua e murmurante, as nuvens que se espalham, escuras, destacando a luz que a brisa esfarrapa
Na linha do infinito, onde o mar se confunde com o céu como se fosse um só corpo ondeado, as estrelas cintilantes iluminam a obscuridade azul

d) “Contra o coração/ abraçava ramos de flores magras e azuis/ sentimentos muito triviais/ e por vezes a maior escuridão” (Fogueiras e gelos);
Colhera um ramo de miosótis e apertava-os agora contra o peito, embalados pelo bater desordenado do coração, movido por sentimentos contraditórios de amor e ódio.
Vendaval de sensações, de emoções, transbordantes, calmaria e tempestade, luz e escuridão, sol e eclipse, as flores azuis, da cor do céu e do frio.
As centáureas e as tumbérgias misturavam-se numa miríade de azuis que ela abraçava enquanto a invadiam ondas de sentimentos

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