segunda-feira, fevereiro 28

Laboratório de escrita criativa - nível avançado

Iniciou-se esta semana o curso Laboratório de Escrita Criativa, desta vez o nível avançado.
O primeiro trabalho era:

“1 – Desenvolva a fábula a partir do curtíssimo enredo criado por Thomas Bernhard (“… um rapaz levou o cão a passear… com a trela. Depois quis subir a qualquer lado, puxou infelizmente a trela por cima da cabeça, o cão continuou provavelmente a correr mais três passadas e o rapaz ficou estrangulado”). Ou seja: relate – ainda que esquematicamente – o corpo da fábula que terá dado origem ao enredo lacónico e paródico redigido por Bernhard na Adenda temática C ( ver aqui em baixo ). Não ultrapasse um máximo de quinze linhas.”
“Conversão por Kurt Hofmann.”
“Quando escrevo, escrevo em toda a parte, onde quer que seja, é indiferente. Posso escrever num restaurante, posso escrever numa casa alugada, posso escrever em Paris no meio do trânsito, é-me absolutamente indiferente. Quando chega o momento, isso não me incomoda absolutamente nada. A questão é só, quando é que chega o momento. O que eu não posso é começar onde houver sossego e não acontecer nada, porque não posso entrar na questão. Preciso primeiro que tudo de estímulos e de qualquer incidente caótico ou algo de semelhante. O caos acalma. A mim de qualquer modo. E no jornal é realmente tudo caótico. Só que é muito fatigante, porque é preciso converter tudo. É preciso primeiro traduzir em fantasia. Hoje está no jornal que um rapaz levou o cão a passear — você leu? — com a trela. Depois quis subir a qualquer lado, puxou infelizmente a trela por cima da cabeça, o cão continuou provavelmente a correr mais três passadas e o rapaz ficou estrangulado. Não foi? Algo deste género se imagina depois. Agora, quando se descreve isto assim, é uma idiotice, porque não é nada de especial. Lá se tem de o converter ou de inventar qualquer coisa para lhe acrescentar.”
(Kurt Hofmann, Em conversas com Thomas Bernhard, Assírio e Alvim, Lisboa, 2006, p.33)

Trabalho:

As noites quentes de Agosto, na ilha, não o deixavam ter um sono descansado. A humidade colava-lhe os lençóis ao corpo, o sono, quando conseguia dormir, era agitado por sonhos recorrentes, estranhos. Os problemas conjugavam-se com o clima húmido e quando amanhecia levantava-se atordoado, cansado, quase mais cansado do que quando se deitara. 
Essa noite não era diferente das outras, apesar de uma leve brisa agitar as cortinas, não refrescava, era uma brisa quente, impiedosa. Voltou-se na cama que rangeu, irritando-o, desabafou-se e tentou esvaziar o cérebro de pensamentos, era necessário dormir para poder desempenhar cabalmente as suas funções na manhã que se aproximava. 
Adormeceu por fim para acordar logo a seguir, ou pelo menos assim lhe pareceu. Sonhara que passeava com o seu cão, que o levava pela trela e que chegava ao cimo de um monte, ia subir a uma pedra e… acordou. Voltou-se na cama e adormeceu de novo para acordar sobressaltado daí a pouco. Tinha retomado o sonho no exacto momento de subir à pedra, levava o seu cão, pela trela, subia  ao cimo do monte e trepava a uma pedra e de repente puxava a trela por cima da cabeça para ver melhor para além da pedra mas o cão correra ainda um pouco, duas, três passadas e ele morria estrangulado. Sentia-se sufocar, correu para a janela...